sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Perfect Strangers

The Sunset Limited é uma peça de teatro escrita por Cormac McCarthy, conhecido por No Country for Old Men, escrita em 2006 e estreada em Chicago no mesmo ano. Trata-se de uma discussão filosófica entre dois personagens sem nome, designados apenas pelas suas cores; Branco e Negro. Esta é uma releitura baseada na adaptação cinematográfica da peça. Está versão está disponível em DVD e Blu Ray, e possivelmente, no YouTube. 

Los Angeles, Quarta-feira, 6 de abril de 2011.

Eram cinco da manhã e, até onde Branco poderia observar, não havia muita gente na rua. Ele estava sentado e um dos bancos da Los Angeles Plaza Park e via alguns mendigos deitados entre as árvores ao lado. Tentava somente entender. Vestiu então seu casaco e partiu sentido a North Alameda Street para a Los Angeles Union Station. A esta altura Negro acabara de entrar na plataforma 4, estava indo trabalhar na cidade de Pomona há mais ou menos sessenta e cinco quilometros dali. Ele era um ex-presidiário e trabalhava como entregador de jornais havia cinco anos, tinha barba e cabelos grisalhos e aparentava ter quase 50 anos. Já Branco devia ter 55, era professor de Filosofia na University of Los Angeles, California (UCLA) e estava bem acabado.

Negro estava sentado ao lado de um poste aguardando o Sunset Limited que chegava as 5:35. Branco hesitou na entrada da plataforma, olhou de esguelha para a direção do trem e não viu ninguém. No horizonte via-se as luzes dos faróis do Sunset Limited e enquanto Negro pegava seu casaco e ia em direção do embarque, viu Branco correndo cego em direção àquelas luzes. Agiu por instinto e segurou o professor que ia em busca da sua própria destruição.

Chegaram ao apartamento. Existe uma cozinha conjugada com a sala com um fogão e uma geladeira grande. A porta para o corredor externo e outra para um quarto. A porta do corredor tem uma coleção bizarra de fechaduras e grades. Há uma mesa de fórmica barata e duas cadeiras cromadas e de plástico. Em cima da mesa tem uma Bíblia e um jornal. Um par de óculos. Um bloco e lápis. Negro está sentado em uma das cadeiras e Branco está em outra, batendo os dedos na mesa. O silêncio foi quebrado por Negro que olhava fixamente Branco.

- O que devo fazer com você, professor? - perguntou
- Por que você acha que deve fazer alguma coisa? - replicou Branco
- Bem, como eu lhe disse, tudo isso não é da minha conta. Veja, quando eu sai hoje de manhã para trabalhar, você não fazia parte dos meus planos. Ainda assim, você está aqui.
- Isso não significa nada. - disse Branco com os olhos cansados. - Tudo isso que aconteceu não significa qualquer coisa.
- E o que significa então?
- Não significa nada. - disse o professor. - Você se encontra com pessoas, algumas tem mais problemas que as outras, mas isso não significa que você é responsável por elas.

Negro olhava fixamente para o recém-conhecido professor.

- De qualquer forma, aqueles que sempre estão a procura de desconhecidos são geralmente aqueles que não se preocupam com quem deveriam se preocupar. Na minha opinião. Se você só faz aquilo que deve, então você não chega a ser um herói. - Continuou Branco.
- E esse "você" sou eu? - perguntou Negro.
- Eu não sei, seria?
- Bem, eu vejo verdade nisso. Mas, nesse caso em particular, eu devo dizer que eu não tenho certeza do tipo de pessoa que eu devo procurar, ou, o que devo fazer quando encontrá-lo. Nesse caso em particular, ele seria mais uma coisa indo em frente.
- E essa coisa seria?
- Que ele estaria logo ali. E eu olho pra ele e penso: Bem, ele não se parece com meu irmão, mas ele esta ali. Talvez seja melhor olhar de volta.

O professor vestia uma camisa escura e atentemente registrava cada palavra que o seu recém-conhecido dizia.

- E foi isso o que você fez? - perguntou o professor.
- Você foi sinceramente difícil de ignorar. Eu tenho que dizer que a sua abordagem foi bastante direta.
- Eu não abordei você, eu nem mesmo vi você.
- Sei.
- Eu devo ir, estou começando a lhe dar nos nervos.
- Não, você não está. - disse Negro. - O que eu não entendo é como você se deixou entrar nessa situação.
- É. - sentenciou Branco.
- Você está bem? Dormiu esta noite? - perguntou Negro.
- Não.
- Hm, e quando você decidiu que hoje seria o dia? Tem algo especial?
- Bem, não, hoje é meu aniversário, mas eu certamente não considero isso algo especial.
- Bom, feliz aniversário, professor.
- Obrigado.
- Então, você viu que aniversário estava chegando e decidiu que seria um bom dia.
- Quem sabe? - disse o professor. - Talvez os aniversários sejam perigosos, como o Natal. Bolas penduradas em árvores, guirlandas nas portas e cadáveres boiando nos esgotos de todo o país.
- Não diz muito sobre o natal, não é?
- O Natal não é mais o mesmo. - definiu Branco.
- Eu acredito que isso seja verdade, mesmo.

Branco, então, levantou-se da cadeira e colocou seu casaco de uma vez só, em vez de um braço por vez. Aos risos, Negro questionou,

- É sempre assim que você pôe o seu casaco?
- O que tem de errado no jeito que eu coloco o casaco?
- Não disse que há algo de errado, eu só imagino se esse é o seu método regular.
- Eu não tenho um modo regular de colocar o casaco. - disse o professor, um tanto intrigado. - Eu simplemente coloco. É afeminado?
- Hm.
- Hm, o quê?
- Nada, eu só estou aqui analisando o jeito dos professores. - disse o Negro, contendo seu riso.
- É, bem, eu devo ir.

Negro se levantou e foi até a poltrona.

- Deixe-me pegar meu casaco. - disse o Negro
- Seu casaco?
- Sim, meu casaco.
- Onde você está indo? - indagou o professor.
- Indo com você.
- Como assim, indo comigo?
- Indo onde quer que você esteja indo. - disse Negro com calma.
- Não! Eu estou indo para casa, você não pode ir pra casa comigo.
- Por que não?
- Você não pode.
- Como? Você pode vir pra minha casa, mas eu não posso ir na sua?
- Não, quer dizer, não é isso. - tentou argumentar Branco. - Eu só quero ir pra casa.
- Você mora num apartamento?
- Sim, eu moro.
- Eles não deixam negros entrarem lá?
- Não. Quer dizer, é claro que deixam. Olha, sem mais piadas, eu estou cansado, preciso ir.
- Bom, tomara que não tenhamos problemas para entrar no seu apartamento.

Negro colocou seu casaco e parou em frente ao professor incrédulo.

- Você está falando sério?
- Sim.
- Você não pode estar.
- Tão sério quanto um ataque cardíaco.
- Por que você faz isso?
- Eu, eu não tenho escolha alguma. - disse Negro enfático.
- Quem te nomeou como meu anjo da guarda?
- Deixe-me pegar meu casaco.
- Responda a pergunta.
- Você bem sabe quem me nomeou, eu não pedi para que você pulasse em meus braços hoje cedo.
- Eu não pulei em seus braços.
- Não? - perguntou Negro. - Como, então, você foi parar neles?

Branco foi em direção a cadeira e se apoiou nela, respirou fundo e sentou-se novamente.

- O quê? Agora nós não vamos?

[continua]