terça-feira, 24 de junho de 2014

Mixed Feelings, Pt. III

Miami, 1986

A chuva continuava forte na noite em que eu certamente iria passar em claro. O Malibu foi a pior escolha que eu poderia ter feito. Afinal, não fazia parte dos planos encontrá-la ali. “Ah! Como era possível que nada tivesse dado certo hoje!”

Saí do clube em direção ao carro que estava estacionado ao lado e não me importei em me molhar. Mas foi ao abrir a porta do carro que eu finalmente acordei desses pensamentos. Ouvi o chamado ao meu nome e olhei para trás. Ela estava parada na entrada do estacionamento enquanto a chuva, aos poucos, fazia seus cabelos escorrerem.

- Por que você está me evitando assim? – perguntou-me.

Por um instante eu quis entrar no carro e deixá-la pra trás, junto com todos esses problemas, mas questionei:

- O que você esperava de mim depois daquele sábado a noite?

- Eu esperava uma reação, algum diálogo, um pouco de foco. – disse ela a medida que ia se aproximando de mim.

A chuva continuava a nos encharcar embora ninguém se importasse.

- Eu esperava você, porque eu gosto de você. – continuou ela. – E eu não quero ficar longe de ti, como fiquei nessa semana.

Ela parou em minha frente e disse enquanto olhava fundo nos meus olhos:

- Como a gente pode ser tão enrolado? – e me beijou, e eu me senti como há tempos eu não havia sentido.

domingo, 22 de junho de 2014

Mixed Feelings, Pt. II

Miami, 1986

Embora chuva me tivesse feito pensar duas ou três vezes antes de sair de casa, era mais do que necessário. Eu tinha que colocar as minhas ideias e problemas em ordem. Não que o Malibu fosse o melhor lugar pra isso, mas era onde eu não esperava encontrá-lo. O som alto e o número de pessoas, combinados, davam justamente no que ele não gostava numa noite. Era engraçado, no entanto, pensar quantas pessoas estavam ali com o mesmo intuito que eu. De querer resolver a vida.

Mas no meu caso não era fácil. Nunca quis parecer nada, por mais que os ânimos se exaltassem de vez em vez. Não era minha culpa, não mesmo. Era o fato dele ter sempre sido tão querido comigo, quando eu precisava. Eu não sei se eu cheguei a precisar dele. Não queria lembrar de tudo o que nós falamos. Mas é incrível como as coisas acabam surgindo na nossa mente. Eu tinha medo e ele dizia entender, dizia que também tinha medo.

E só de lembrar disso, eu me lembro que ele prometeu nunca me deixar sozinha numa pista de dança. Eu andei um pouco pela pista de dança e acabei esbarrando numa pessoa indo embora. Enquanto isso, a música ia dizendo: "I've been waiting for someone new, to make me feel alive." Que irônico.

sábado, 21 de junho de 2014

Mixed Feelings, Pt. I

Miami, 1986

Lá fora a chuva açoitava as janelas dos carros, o vento balançava as palmeiras e os trovões assustavam as crianças que olhavam a tempestade pelas janelas de suas casas. Mas aqui dentro não se ouvia nada. O som ensurdecedor do Clube Malibu era impressionante e as dezenas de pessoas que dançavam na pista pareciam não se envolver com nenhum problema. Como sempre, eu estava sentado no bar com um copo de Jack Daniel's na mão e contemplando a pista de dança lotada.

Mas não era nos problemas em casa, nem nos problemas no trabalho que residia minha mente. Era naquela moça que dançava sozinha num dos cantos. E nas vãs promessas. Bebi mais um gole do whiskey que desceu rasgando tal como a verdade que me assombrava a semanas a fio. Era simplesmente terrível pensar que tudo aquilo que fora dito com tanta sinceridade, não, sinceridade não é a palavra. Tudo aquilo que fora dito com tanta inocência foi tão fácilmente substituído. Agora sim. Bebi mais um gole e forcei os olhos fechados enquanto a bebida fazia o seu estrago.

Não precisava ser nenhum Sherlock Holmes para entender o que tinha acontecido durante aquela semana: Não era pra acontecer. Terminei a dose e larguei o copo junto com uma nota de cinco dólares em cima do balcão, e sai em direção da saída. Devo ter esbarrado no ombro dela no caminho, com a promessa de nunca deixá-la sozinha numa pista de dança na cabeça.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Incógnito

"Queria que fosses a morte,
Para que em seus braços
eu pudesse me jogar
sem medo ou culpa."

Entre sonhos perdidos e projetos esquizofrênicos havia um homem consumido pela preocupação. Os motivos eram vários, complexos e dinâmicos.
- O que acontece quando parte da sua vida recorre? -
Poderia ser um caos, poderia ser uma necessidade de retomar velhos hábitos. Sentia falta de ser invisível, incógnito, livre.
"Queria que fosses a morte," dizia a carta anônima. Era uma urgência, mas não o homem em si. Ele não queria ter "medo ou culpa". Ele temia que as fundações dos seus projetos mais internos desabassem. Que acabasse o combustível dos seus sonhos mais obscuros, pois eram neles que ele poderia se jogar e ser livre.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Perfect Strangers

The Sunset Limited é uma peça de teatro escrita por Cormac McCarthy, conhecido por No Country for Old Men, escrita em 2006 e estreada em Chicago no mesmo ano. Trata-se de uma discussão filosófica entre dois personagens sem nome, designados apenas pelas suas cores; Branco e Negro. Esta é uma releitura baseada na adaptação cinematográfica da peça. Está versão está disponível em DVD e Blu Ray, e possivelmente, no YouTube. 

Los Angeles, Quarta-feira, 6 de abril de 2011.

Eram cinco da manhã e, até onde Branco poderia observar, não havia muita gente na rua. Ele estava sentado e um dos bancos da Los Angeles Plaza Park e via alguns mendigos deitados entre as árvores ao lado. Tentava somente entender. Vestiu então seu casaco e partiu sentido a North Alameda Street para a Los Angeles Union Station. A esta altura Negro acabara de entrar na plataforma 4, estava indo trabalhar na cidade de Pomona há mais ou menos sessenta e cinco quilometros dali. Ele era um ex-presidiário e trabalhava como entregador de jornais havia cinco anos, tinha barba e cabelos grisalhos e aparentava ter quase 50 anos. Já Branco devia ter 55, era professor de Filosofia na University of Los Angeles, California (UCLA) e estava bem acabado.

Negro estava sentado ao lado de um poste aguardando o Sunset Limited que chegava as 5:35. Branco hesitou na entrada da plataforma, olhou de esguelha para a direção do trem e não viu ninguém. No horizonte via-se as luzes dos faróis do Sunset Limited e enquanto Negro pegava seu casaco e ia em direção do embarque, viu Branco correndo cego em direção àquelas luzes. Agiu por instinto e segurou o professor que ia em busca da sua própria destruição.

Chegaram ao apartamento. Existe uma cozinha conjugada com a sala com um fogão e uma geladeira grande. A porta para o corredor externo e outra para um quarto. A porta do corredor tem uma coleção bizarra de fechaduras e grades. Há uma mesa de fórmica barata e duas cadeiras cromadas e de plástico. Em cima da mesa tem uma Bíblia e um jornal. Um par de óculos. Um bloco e lápis. Negro está sentado em uma das cadeiras e Branco está em outra, batendo os dedos na mesa. O silêncio foi quebrado por Negro que olhava fixamente Branco.

- O que devo fazer com você, professor? - perguntou
- Por que você acha que deve fazer alguma coisa? - replicou Branco
- Bem, como eu lhe disse, tudo isso não é da minha conta. Veja, quando eu sai hoje de manhã para trabalhar, você não fazia parte dos meus planos. Ainda assim, você está aqui.
- Isso não significa nada. - disse Branco com os olhos cansados. - Tudo isso que aconteceu não significa qualquer coisa.
- E o que significa então?
- Não significa nada. - disse o professor. - Você se encontra com pessoas, algumas tem mais problemas que as outras, mas isso não significa que você é responsável por elas.

Negro olhava fixamente para o recém-conhecido professor.

- De qualquer forma, aqueles que sempre estão a procura de desconhecidos são geralmente aqueles que não se preocupam com quem deveriam se preocupar. Na minha opinião. Se você só faz aquilo que deve, então você não chega a ser um herói. - Continuou Branco.
- E esse "você" sou eu? - perguntou Negro.
- Eu não sei, seria?
- Bem, eu vejo verdade nisso. Mas, nesse caso em particular, eu devo dizer que eu não tenho certeza do tipo de pessoa que eu devo procurar, ou, o que devo fazer quando encontrá-lo. Nesse caso em particular, ele seria mais uma coisa indo em frente.
- E essa coisa seria?
- Que ele estaria logo ali. E eu olho pra ele e penso: Bem, ele não se parece com meu irmão, mas ele esta ali. Talvez seja melhor olhar de volta.

O professor vestia uma camisa escura e atentemente registrava cada palavra que o seu recém-conhecido dizia.

- E foi isso o que você fez? - perguntou o professor.
- Você foi sinceramente difícil de ignorar. Eu tenho que dizer que a sua abordagem foi bastante direta.
- Eu não abordei você, eu nem mesmo vi você.
- Sei.
- Eu devo ir, estou começando a lhe dar nos nervos.
- Não, você não está. - disse Negro. - O que eu não entendo é como você se deixou entrar nessa situação.
- É. - sentenciou Branco.
- Você está bem? Dormiu esta noite? - perguntou Negro.
- Não.
- Hm, e quando você decidiu que hoje seria o dia? Tem algo especial?
- Bem, não, hoje é meu aniversário, mas eu certamente não considero isso algo especial.
- Bom, feliz aniversário, professor.
- Obrigado.
- Então, você viu que aniversário estava chegando e decidiu que seria um bom dia.
- Quem sabe? - disse o professor. - Talvez os aniversários sejam perigosos, como o Natal. Bolas penduradas em árvores, guirlandas nas portas e cadáveres boiando nos esgotos de todo o país.
- Não diz muito sobre o natal, não é?
- O Natal não é mais o mesmo. - definiu Branco.
- Eu acredito que isso seja verdade, mesmo.

Branco, então, levantou-se da cadeira e colocou seu casaco de uma vez só, em vez de um braço por vez. Aos risos, Negro questionou,

- É sempre assim que você pôe o seu casaco?
- O que tem de errado no jeito que eu coloco o casaco?
- Não disse que há algo de errado, eu só imagino se esse é o seu método regular.
- Eu não tenho um modo regular de colocar o casaco. - disse o professor, um tanto intrigado. - Eu simplemente coloco. É afeminado?
- Hm.
- Hm, o quê?
- Nada, eu só estou aqui analisando o jeito dos professores. - disse o Negro, contendo seu riso.
- É, bem, eu devo ir.

Negro se levantou e foi até a poltrona.

- Deixe-me pegar meu casaco. - disse o Negro
- Seu casaco?
- Sim, meu casaco.
- Onde você está indo? - indagou o professor.
- Indo com você.
- Como assim, indo comigo?
- Indo onde quer que você esteja indo. - disse Negro com calma.
- Não! Eu estou indo para casa, você não pode ir pra casa comigo.
- Por que não?
- Você não pode.
- Como? Você pode vir pra minha casa, mas eu não posso ir na sua?
- Não, quer dizer, não é isso. - tentou argumentar Branco. - Eu só quero ir pra casa.
- Você mora num apartamento?
- Sim, eu moro.
- Eles não deixam negros entrarem lá?
- Não. Quer dizer, é claro que deixam. Olha, sem mais piadas, eu estou cansado, preciso ir.
- Bom, tomara que não tenhamos problemas para entrar no seu apartamento.

Negro colocou seu casaco e parou em frente ao professor incrédulo.

- Você está falando sério?
- Sim.
- Você não pode estar.
- Tão sério quanto um ataque cardíaco.
- Por que você faz isso?
- Eu, eu não tenho escolha alguma. - disse Negro enfático.
- Quem te nomeou como meu anjo da guarda?
- Deixe-me pegar meu casaco.
- Responda a pergunta.
- Você bem sabe quem me nomeou, eu não pedi para que você pulasse em meus braços hoje cedo.
- Eu não pulei em seus braços.
- Não? - perguntou Negro. - Como, então, você foi parar neles?

Branco foi em direção a cadeira e se apoiou nela, respirou fundo e sentou-se novamente.

- O quê? Agora nós não vamos?

[continua]