quinta-feira, 27 de junho de 2013

As linhas de Greyhound

São Francisco, Terça-feira, 27 de Janeiro de 1931. Cesar Statler acordou tarde e vestia seu paletó. Embora a culpa fosse do frio incomum que assolava o mês, ele amaldiçoava o pequeno rádio-relógio que tocava, ironicamente, Song Of The Dawn de Jack Hylton. Seguiu rapidamente para a copa de seu apartamento, na Leavenworth St. com a Sacramento St., para beber um gole do café requentado do dia anterior. Saiu a caminho do trabalho. Era garçom no luxuoso Pickwick Hotel, e o movimento no hotel havia subido desde sua menção no livro "The Maltese Falcon" de Dashiell Hammet. Lembrou-se em risos de quando o gerente do hotel, um senhor de meia-idade muito ríspido, veio com cópias do livro e obrigou todos os funcionários a lerem. A verdade era que algumas das camareiras eram mexicanas imigrantes e nem sabiam ler em inglês, por fim, coube a ele mesmo contar a história retratada.
Parou em uma banca perto da Golden Gate Av. para comprar um Daily Alta e um maço de cigarros. Estava quase atrasado para chegar no hotel. A vida que ele tinha como garçom era um tanto monótona, eram quase sempre os mesmos fregueses, e basicamente os mesmos pratos. Bastava a ele saber anotar os pedidos corretamente e em qual mesa entregá-los. Mesmo com a alta no movimento, o trabalho não tinha muito a se esperar. O que realmente emocionava Cesar eram as corridas de cachorros e cavalos, mesmo que ele não tivesse muito a apostar. O dinheiro era curto, e se manter num emprego em época de crise era uma sorte para poucos. Chegando no hotel, ele vestiu seu uniforme e seguiu para a cozinha para terminar os preparativos do Café da Manhã.
Em uma das viagens trazendo e levando bolos, pãezinhos e café, Cesar passou pela recepção do hotel, um magistroso prédio fazendo a esquina entre a Mission St. e a 5th St., e viu uma linda moça de vestido negro saltando de um táxi, algo raro devido as constantes greves de taxistas desde 1919. Ela entrou no hotel, seu cabelo era claro e curto e usava maquiagem sobre os olhos verdes. Os recepcionistas a atenderam e Cesar voltou a sua rotina.
Mais tarde, quase ao fim do café da manhã, ele a vê entrando e sentando em uma das mesas do café. Um sorriso se formou no rosto dele ao ver que ela lia o livro de Dashiell Hammet, ela não era a única e nem seria a única. Ele foi atendê-la.
- Bom dia, bem vindo ao The Pickwick Hotel, gostaria de algo para seu café da manhã?
- Bom dia, obrigada, vou querer um café e um pão tostado com queijo.
- Só um instante, senhorita.
Cesar seguiu até a cozinha estupefato com o olhar daquela moça. Seu olhos irradiavam uma alegria que ele não conseguia descrever. Ele sentia liberdade e reconforto ao lembrar do olhar fixo e penetrante que ela possuia. Por um momento, ele acreditava que ela finalmente estava em seu lugar.

Se eu morrer antes de acordar

Henry Spaatz era um rapaz jovem, de aparência não muito diferente dos demais. Ele estava sentado ao saguão do Aeroporto Idlewild em Nova York, era um domingo frio, 25 de Janeiro de 1931. Henry estava lendo um artigo sobre aviação no The New York Times, e pessoalmente, achava suicídio a tentativa de fazer um voô de Roma até Nova York. Ele havia tirado seu brevet para aviação comercial havia pouco, e como eram poucos os pilotos na época ele conseguiu um emprego na recém fundada United Aircraft and Transport Corporation. Iria como co-piloto numa viagem até São Francisco e ele estava um pouco nervoso, pois seria sua primeira viagem pela companhia.
Levantou-se e foi até uma cafeteria próxima, comprou um maço de cigarros e um café. Estava absorto em pensamentos quando uma jovem moça sentou ao seu lado no balcão. Usava um vestido negro, maquiagem sob olhos. Seu cabelo era castanho claro e curto, os olhos verdes. Ela tinha um ar apressado, porém preocupado. Ela tomou um café e saiu para fazer check-in. Henry continuava lá, terminou seu café, fumou dois ou três cigarros e terminou de ler seu jornal. Foi à sala da United, seus novos colegas estavam terminando de se preparar. Era uma viagem complicada, com duas escalas em Chicago e Salt Lake City. Decidiu por fim, ir ao hangar onde o avião fora taxeado para verificar alguns últimos detalhes com os mecânicos. Olhou uma segunda vez para a fila de check-in, mas não viu a moça dos olhos verdes.
O avião, um Boeing 80A, era o novo modelo que a United estava utilizando, possuia dois Pilotos e um assistente e tinha capacidade de levar até 18 passageiros.
O Avião já estava carregado e os passageiros já haviam sido chamados para o embarque. Henry recepcionava os passageiros que subiam ao avião. De longe ele viu a moça da cafeteria, seguindo em passos apressados com uma mala pequena. Ele voltou a cabine, esperou todos os passageiros se acomodarem e saiu para dar as ultimas instruções. Ele a viu sentada numa janela perto da asa do avião. Ela olhou pra ele, sorriu e voltou a ler seu livro. O olhar claro dela parecia querer escapar de tudo aquilo e, talvez, voar fosse a maneira mais fácil de se sentir livre.

Não me mande mais rosas

As luzes no escritório iam se apagando com o tempo, mas para Richard Swift o trabalho sempre ia até mais tarde. Todos os outros repórteres se despediam e deixavam seus textos para a revisão final. As luminárias se apagavam enquanto ao fundo ainda se ouvia o estalar de uma única máquina de escrever. Uma luz sozinha em uma sala que costumava ser barulhenta durante o dia. Richard porém, preferia o silêncio no escritório. Ainda que estes atrasos constantes fossem motivos de várias brigas com sua mulher, ele nunca se queixou do seu emprego. Richard era redator-chefe  no The New York Times, e, por volta das oito da noite, finalizara a edição do dia seguinte. 
Saiu, fechando o escritório atrás de si, em direção ao ponto de táxi algumas quadras acima. Estava indo para casa, um apartamento no Central Park North, na 5th Avenue esquina com a W 119th St. e esperava encontrar a mesa posta e o jantar quente. Parou numa banca comprar um jornal e uma carteira de cigarros e subiu no táxi alguns metros adiante. O dia era 22 de janeiro de 1931, uma quinta-feira, e para ele tudo corria bem. O táxi continuava sua jornada pela W 42nd St., e ainda se via a construção do Empire State ao sul. 
Chegando em casa, Richard deixou seu paletó no hall-de-entrada e checou seu relógio, eram oito e quarenta. Passou pelo portal que dava a sala e viu num sofá ao canto sua mulher. Usava um vestido negro até os joelhos e maquiagem pesada sob os olhos claros. O cabelo curto intensificava o tom sombrio do seu olhar. 
- Boa noite, amor.
- Chegando tarde de novo?
- Você sabe como é, tenho muita coisa a fazer no escritório.
- Não, não sei. E também não consigo entender. - finalizou ela, voltando a atenção para o livro que tinha nas mãos. Era o The Maltese Falcon de Dashiell Hammet.
Richard foi até o quarto, as luzes todas apagadas, e deixou sua mala em cima da cama, desafrouxou o nó da gravata e voltou a sala. O silêncio permanecia, quebrado regularmente pelo som dos seus sapatos no piso de madeira. Sentia o olhar dela o acompanhando. Pegou o seu jornal e sentou-se na poltrona ao lado do sofá. Por um momento seus olhos se cruzaram, por um momento ele soube que ela sempre estaria ali.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Doces na caixinha

Curitiba, 2013

Num cruzamento movimentado do centro da cidade havia uma figura esquecida. Nas noites geladas de Curitiba, em meio a carros e pessoas apressadas para chegar em casa, havia uma senhora vestida de palhaço vendendo doces. O sinal fechava e a palhaça ia indo entre os carros. Uns fechavam o vidro, outros faziam que não com a cabeça. As crianças que voltavam da escola mostravam a palhaça aos seus pais que as ignoravam. O sorriso, com o tempo, sumia do rosto. Os doces se mantinham intocados dentro da caixa. Semáforo após semáforo, hora após hora, dia após dia... A maquiagem branca no rosto já não possuia o mesmo brilho, a mesma vivacidade. Até que um senhor para ao seu lado sorrindo com sua filha e pergunta o que tinha na caixa. Assustada, ela responde:
 - Pastilhas de Hortelã, Chicletes, Balas de Cereja.
 - Quanto são as Balas de Cereja?
 - É 50 centavos.
 - Acho que vou levar um. - Entregou a moeda a palhaça, e a menina quem pegou o pacote de balas da caixinha.
O senhor disse boa noite e saiu sorrindo. A palhaça esboçou um sorriso de volta, sussurrou um "Obrigada" e voltou à sua rotina triste e metódica. Algumas horas depois, a palhaça estava em casa em frente a um espelho retirando a maquiagem. O rosto da menina sorrindo voltou a sua mente. Uma lágrima lhe passou pelo rosto.    

terça-feira, 19 de março de 2013

Evaldo estava sentado na cama olhando para os resultados de um experimento que dera errado.