terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ruas

As ruas largas me fazem mal. Curitiba só tem ruas largas. São ruas grandes demais para a minha insignificância. Os grandes gramados me fazem mal. Curitiba só tem grandes gramados. (Jardim Botânico, Parque Barigui, Centro Politécnico) São gramados grandes demais para mim. Eu preferiria viver em pequenas ruas, pequenos parques, pequenas cidades. Curitiba é grande demais para mim. Eu não aguento mais as voltas imensas de ônibus, horas pra chegar em lugares. Eu preferiria os pequenos bondes, os pequenos caminhos de outrora. O século XXI é grande demais pra mim. Ele e sua tecnologia, e suas redes. Redes de pessoas que já inutilizaram suas mentes. Eu preferiria as bibliotecas, e as enciclópedias de outrora. Eu me sinto deslocado num mundo que só segue em frente, segue ao colapso. A minha insignificância em meio as ruas largas e seus pedestres, seus gramados e seus turistas, à tecnologia e seus adeptos. Curitiba me faz mal, assim como suas ruas largas.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Conselho

Evaldo tinha uma palestra para dar na escola, um novo ano estava começando e com ele a volta às aulas que o atormentava. Naquele ano em especial Evaldo decidira mudar o seu discurso pragmático e sem graça para algo que talvez incentivasse seus alunos. Eis que o dia chegou, e Evaldo colocara alguns de seus rascunhos na maleta velha. No colégio, Evaldo estava sentando no seu lugar esperando, sem muitas esperanças a sua vez de se apresentar. Por fim o chamaram, ele levantou-se e seguiu até o palco do anfiteatro do colégio. Pela primeira vez naquele ano viu os olhos dos alunos olhando sem compromisso para ele. Alguns rostos repetidos, alguns novos.
"Olá, eu sou o Professor de Física, Evaldo. Por anos eu sempre disse a mesma coisa, mas por fim eu decidi mudar. Eu bem sei que muitos dos que estão aqui vieram sem escolha, e que devem estar querendo fugir. Eu sei porque eu fugi quando foi a minha vez. Mas por outro lado, tudo isso foi sempre uma obrigação para todos nós, e a diferença é que alguns de nós criam gosto pela obrigação. Esse foi o meu caso, e para que esse panorama geral mude, é preciso que esse seja o caso de vocês também."
Enquanto Evaldo dizia sobre o quão difícil era ser professor, mas ao mesmo tempo era reconfortante, ele imaginava o tamanho da sua própria hipocrisia. Nunca havia valido a pena, nunca foi reconfortante. Em meio  a todos aqueles poucos alunos que ainda olhavam para ele, Evaldo percebeu um rosto que se destacou. Era um aluno meio alto, parecia-lhe, cabelos longos bagunçados, de rosto fino e comprido, usava algumas pulseiras no pulso. Algo no olhar daquele garoto dizia que ele se importava, que ele parecia tomar as dores que Evaldo sentia, mas que não transparecia. Algo naquele garoto mostrava que ele entendia.
"Mas as coisas que nós pudemos fazer são mínimas, e cabem a vocês nos ajudarem, ou não."
Um dos alunos se levantou e perguntou:
- Você nos aconselharia a sermos professores?
Evaldo olhou para os seus colegas professores, olhou para a platéia, olhou para o garoto de pulseiras e disse em tom cansado.
- Não.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Colours

Era uma noite fria, num outono bem incomum. As conversas sobre jogos japoneses transcorriam num lugar semi-abandonado da faculdade. Eis que chegava pela porta uma garota em prantos. Isso já havia acontecido há muito tempo. E então as coisas mudaram muito, mas isso também já havia acontecido há muito tempo. Para Evaldo, hoje, as coisas tinham outro sentido, outro valor. As aulas já não rendiam mais, os textos menos ainda. Algo estava faltando, não haviam cores que pudessem alegrar, que pudessem aquecer. A chuva fina que caía aos poucos na janela e o vento cortante eram só indicativos de que nada melhoraria. Não enquanto chovesse e ventasse, não enquanto Tari não voltasse pra onde ela nunca deveria ter saído.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Frio Inerente

O frio prevalecia naqueles dias. Era normal, todos sabiam que o inverno chegaria, como sempre chegou. E com ele vinha uma certa promessa de mudança. Quem sabe fosse uma mudança para melhor. Evaldo checava o movimento da rua pela janela, era um sábado, a rua não estava muito cheia porém a vida dele como um todo estava bem agitada. E nem mesmo o frio inerente que cobria a cidade podia esfriar o coração de Evaldo. Ele havia conhecido alguém que podia terminar os amores errados e não correspondidos. Tari era o nome dela, e assim como as outras, era antes apenas uma amiga, daquelas que pedem conselhos, que estavam mergulhadas em problemas e cobranças. Mas, diferente das outras, via em Evaldo o porto seguro que só ele via nas pessoas. Era algo que ele nunca sentira, nem com Carolina, muito menos com Marina ou Laura. Evaldo tinha a certeza de que aquilo daria certo, uma certeza que jamais tivera.