Um deles me chamou a atenção logo no princípio, assim que se
instalou ao meu lado. Éramos vizinhos e ele provavelmente nem sabia da minha existência,
mas de qualquer forma eu sabia a dele e assim que começamos nossa assim chamada
“amizade”. Ouvia ele repetindo quase que toda noite as palavras que não me
deixariam em paz por um bom tempo da minha vida. Até hoje eu tento saber o por
que delas. Ele murmurava “Onde está a graça dessa piada?” E há muito que eu
reflito por essa frase procurando, quase que em vão, encontrar um sentido
nelas.
Mas quem sabe agora, depois de alguns anos em que ele
continua a murmurar, eu consiga colocar tudo que eu sei sobre ele numa ordem
definitiva e encontre algo que me escapou por todo esse período. O nome dele
antes de mais nada era Lewis Norton e ele tinha na época que entrou aqui seus
bons cinquenta anos. Sabia também que fora um analista-sênior numa grande
indústria multi-nacional e que lá esteve por quase vinte anos, desde que era
uma pequena metalúrgica nos arredores de Liverpool. Era de conhecimento geral
de sua fascinação por carros e que dispunha de alguns exemplares não exatamente
raros mas que despertavam olhares pela sua excelente conservação. Sua família
era conservadora e ele não escondia que também o era. Não tão extremista quanto
o seus irmãos mais velhos ou seu tio que era fanático por nacionalismo. Não;
era de uma ética que faltava a muitos críticos esquerdistas e era bastante
prestigiado na empresa por seus cuidados com um produto perfeito. Chefiava,
naquela época, o setor de qualidade da empresa que se chamava Kilmer
Industries. Eles no auge dos anos noventa se instalaram em Londres e Nova
Iorque, mas a sede continuava na industrial Liverpool e era nesse escritório
que Lewis trabalhava.
Isso não era quase que segredo para ninguém, era de fato uma
figura pública, pois, além de chefiar um dos setores da companhia, ele ainda
era o assesor de imprensa da empresa, que o escolhera por ser, ao mesmo tempo,
ético e minuncioso às últimas consequências. No tempo que a catásfrofe da vida
dele aconteceu a empresa estava passando por um bom momento, ações na bolsa em
alta, novos mercados fora da Europa, como a América Latina e Ásia. Haviam
criado conexões e joint-adventures com
várias outras empresas de mesmo ou pouco menor porte e os lucros excediam as
expectativas.
Com esse aumento repentino nos negócios havia muitas
entrevistas ar dar aos jornais econômicos do mundo e, como não podia deixar de
ser, haviam também muitas reclamações em relação aos produtos da Kilmer, o que
também era da responsabilidade de Lewis.
Ele particularmente, não estava planejando tão rápido crescimento
e cojitava até, a sua aposentadoria um pouco precoce. Não haveria de faltar
recursos, pois afinal sempre fora de uma família de poupadores (salvo raras
exceções), e essa qualidade não faltava a ele. Assim que o auge de problemas
com a empresa se tornou insuportável ele teve de renunciar ao cargo e pedir
demissão. Recebeu seu acerto de 19 anos e 7 meses de trabalho, uma quantia
razoávelmente boa para quem não iria mais trabalhar e foi a partir desse
momento que eu mais me indaguei em como alguém tão íntegro quanto Lewis poderia
ter parado num lugar como este que agora estou.
Eu me questiono o que de tão grave poderia ter acontecido. E
quem sabe a piada não era de tão bom gosto assim. Eu acredito que não eram
problemas que arrecatariam em consequências graves. Era, afinal, uma história
de sucesso profissional e ele sempre servira de exemplo tanto a seus colegas de
trabalho quanto a seus próprios concorrentes que viam a Kilmer como uma empresa
tão sólida quanto o nome de Lewis Norton.
A família Norton já tinha alguns nomes ilustres entre seus
representantes. Além de Lewis, a sua própria filha já era uma respeitada
consultora financeira e foi quem deu o aval para a aposentadoria precoce de seu
pai. Seu nome era Isabella e trabalhava como consultora internacional da
Ericsson em seus escritórios na Inglaterra, e também como consultora particular
para aqueles que ela chamava de novos-ricos, em geral pessoas que recebiam
heranças milhonárias, astros no auge e também esses mesmos novos-ricos que
acabavam por não seguir seus conselhos e se viam em despesas extraordinárias e
dívidas impagáveis e correndo pedindo o auxílio dela. Lewis também tinha um
renomado arquiteto entre seus sobrinhos, filho de um de seus irmãos
conservadores aos extremos. Este arquiteto chamava-se Michael e projetara a
parte da nova Londres, inclusive os prédios da Kilmer em Nova Iorque e na
capital inglesa. De resto eram aproveitadores da fama destes três e vinham todo
bimestre para pedir algum auxilio financeiro.
Dentre estes, além de sua filha e de sua mãe, não havia
quase ninguém de quem Lewis tivesse alguma relação afetiva. Ele e a mãe de
Isabella, tinham se divorciado quando a filha tinha 14 anos, já faziam 10 anos.
Elas moraram juntas e Lewis nunca tivera muito contato com a filha durante a
adolescência dela mas faziam uns três anos que eles se viam com mais
frequência, logo após que ela se formou em Ciências Contábeis.
Mas quem há de acreditar em mim, eu um mero residente de um
asilo para incapazes mentais. Um sociopata condenado que nem sabe a fonte de
todas essas informações. É, de fato eu esteja meio louco mesmo.