segunda-feira, 30 de abril de 2012

Loucura

Não foram poucos os dias em que eu o ouvia dizendo coisas completamente sem sentido, sozinho na escuridão. Eu juro que tentava entendê-lo, ou melhor, entendê-los. A minha própria solidão era um meio de prestar atenção nos outros e, em todos aqueles anos ali, eu poderia traçar um perfil de cada um dos meus colegas. Se bem que eu nem poderia chamá-los de colegas. Mal cheguei a vê-los, mas os conhecia tão profundamente quanto seus melhores amigos.

Um deles me chamou a atenção logo no princípio, assim que se instalou ao meu lado. Éramos vizinhos e ele provavelmente nem sabia da minha existência, mas de qualquer forma eu sabia a dele e assim que começamos nossa assim chamada “amizade”. Ouvia ele repetindo quase que toda noite as palavras que não me deixariam em paz por um bom tempo da minha vida. Até hoje eu tento saber o por que delas. Ele murmurava “Onde está a graça dessa piada?” E há muito que eu reflito por essa frase procurando, quase que em vão, encontrar um sentido nelas.

Mas quem sabe agora, depois de alguns anos em que ele continua a murmurar, eu consiga colocar tudo que eu sei sobre ele numa ordem definitiva e encontre algo que me escapou por todo esse período. O nome dele antes de mais nada era Lewis Norton e ele tinha na época que entrou aqui seus bons cinquenta anos. Sabia também que fora um analista-sênior numa grande indústria multi-nacional e que lá esteve por quase vinte anos, desde que era uma pequena metalúrgica nos arredores de Liverpool. Era de conhecimento geral de sua fascinação por carros e que dispunha de alguns exemplares não exatamente raros mas que despertavam olhares pela sua excelente conservação. Sua família era conservadora e ele não escondia que também o era. Não tão extremista quanto o seus irmãos mais velhos ou seu tio que era fanático por nacionalismo. Não; era de uma ética que faltava a muitos críticos esquerdistas e era bastante prestigiado na empresa por seus cuidados com um produto perfeito. Chefiava, naquela época, o setor de qualidade da empresa que se chamava Kilmer Industries. Eles no auge dos anos noventa se instalaram em Londres e Nova Iorque, mas a sede continuava na industrial Liverpool e era nesse escritório que Lewis trabalhava.

Isso não era quase que segredo para ninguém, era de fato uma figura pública, pois, além de chefiar um dos setores da companhia, ele ainda era o assesor de imprensa da empresa, que o escolhera por ser, ao mesmo tempo, ético e minuncioso às últimas consequências. No tempo que a catásfrofe da vida dele aconteceu a empresa estava passando por um bom momento, ações na bolsa em alta, novos mercados fora da Europa, como a América Latina e Ásia. Haviam criado conexões e joint-adventures com várias outras empresas de mesmo ou pouco menor porte e os lucros excediam as expectativas.

Com esse aumento repentino nos negócios havia muitas entrevistas ar dar aos jornais econômicos do mundo e, como não podia deixar de ser, haviam também muitas reclamações em relação aos produtos da Kilmer, o que também era da responsabilidade de Lewis.

Ele particularmente, não estava planejando tão rápido crescimento e cojitava até, a sua aposentadoria um pouco precoce. Não haveria de faltar recursos, pois afinal sempre fora de uma família de poupadores (salvo raras exceções), e essa qualidade não faltava a ele. Assim que o auge de problemas com a empresa se tornou insuportável ele teve de renunciar ao cargo e pedir demissão. Recebeu seu acerto de 19 anos e 7 meses de trabalho, uma quantia razoávelmente boa para quem não iria mais trabalhar e foi a partir desse momento que eu mais me indaguei em como alguém tão íntegro quanto Lewis poderia ter parado num lugar como este que agora estou.

Eu me questiono o que de tão grave poderia ter acontecido. E quem sabe a piada não era de tão bom gosto assim. Eu acredito que não eram problemas que arrecatariam em consequências graves. Era, afinal, uma história de sucesso profissional e ele sempre servira de exemplo tanto a seus colegas de trabalho quanto a seus próprios concorrentes que viam a Kilmer como uma empresa tão sólida quanto o nome de Lewis Norton.

A família Norton já tinha alguns nomes ilustres entre seus representantes. Além de Lewis, a sua própria filha já era uma respeitada consultora financeira e foi quem deu o aval para a aposentadoria precoce de seu pai. Seu nome era Isabella e trabalhava como consultora internacional da Ericsson em seus escritórios na Inglaterra, e também como consultora particular para aqueles que ela chamava de novos-ricos, em geral pessoas que recebiam heranças milhonárias, astros no auge e também esses mesmos novos-ricos que acabavam por não seguir seus conselhos e se viam em despesas extraordinárias e dívidas impagáveis e correndo pedindo o auxílio dela. Lewis também tinha um renomado arquiteto entre seus sobrinhos, filho de um de seus irmãos conservadores aos extremos. Este arquiteto chamava-se Michael e projetara a parte da nova Londres, inclusive os prédios da Kilmer em Nova Iorque e na capital inglesa. De resto eram aproveitadores da fama destes três e vinham todo bimestre para pedir algum auxilio financeiro.

Dentre estes, além de sua filha e de sua mãe, não havia quase ninguém de quem Lewis tivesse alguma relação afetiva. Ele e a mãe de Isabella, tinham se divorciado quando a filha tinha 14 anos, já faziam 10 anos. Elas moraram juntas e Lewis nunca tivera muito contato com a filha durante a adolescência dela mas faziam uns três anos que eles se viam com mais frequência, logo após que ela se formou em Ciências Contábeis.

Mas quem há de acreditar em mim, eu um mero residente de um asilo para incapazes mentais. Um sociopata condenado que nem sabe a fonte de todas essas informações. É, de fato eu esteja meio louco mesmo.

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