sexta-feira, 20 de abril de 2012

Lapsos

No corredor ecoava num silêncio sepulcral, o frio entrava pela janela que há muito tempo estava entreaberta na sala. A poeira que jazia por cima dos móveis estava intocada. Não se ouvia som de passos, mas sim de uma respiração pesada. Uma respiração que vinha de um quarto ao fim do corredor. A porta estava meio encostada e só um pequeno feixe de luz saía por ela. Lá dentro, sentado numa cama de quatro colunas estava Evaldo. Estava velho, barba a fazer, e com uma xícara suja de café no criado-mudo ao lado. Na parede oposta havia uma escrivaninha, lotada de rascunhos, textos, artigos, aulas... Evaldo olhava pra tudo aquilo, e não sabia o que fazer. Tanto conhecimento, e nenhum ao mesmo tempo.

Se levantou, pegou a xícara e foi até uma pequena copa adjunta pra fazer mais café. A cafeteira resistia ao tempo, e ao uso excessivo, e vinha com ele haviam muitos e muitos anos. Evaldo olhava pela janela enquanto o ar pesado ia pegando aos poucos o aroma do café. Serviu-se de uma xícara, duas, três... Rasgou meia duzia de rascunhos, selecionou outros e os colocou numa pasta de couro velha. Abriu a porta e saiu pelo corredor. Virou para a janela entreaberta mas não fez questão de fechá-la. Abriu a porta dos fundos de onde tinha a visão de uma manhã nublada, fria, com o barulho incessante de pessoas e veículos passando. Evaldo queria de volta seu silênico, mas precisava ir.

Fechou a porta do carro, deu partida e seguiu por ruas estreitas, apenas para não cair em congestionamentos. Chegou na escola em que dava aulas, sentou na sala dos professores, serviu-se de café. Os outros professores chegavam aos poucos, mas quase nenhum deles gostava de Evaldo, da mesma maneira que Evaldo não gostava deles. Eram todos doutrinadores, e ele odiava isso. Saiu dali e foi pra sala de aula. Chegou antes dos alunos e ficou escrevendo o conteúdo no quadro. Os alunos chegavam aos poucos, em pequenos grupos gritando, falando absurdos, e discutindo seus problemas infantis. Todos se sentaram, e com o tempo foram se aquietando.

A aula se passou como sempre, os alunos todos olhando fixamente no quadro, porém suas mentes estavam em qualquer outro lugar. Evaldo olhava tudo aquilo sem saber o que achar. Não sabia se era culpa dos próprios alunos, dos outros professores, ou dele mesmo. Nunca se exclua de um estudo social. Foi seguindo a aula, e de súbito calou-se. Sentou na cadeira, e começou a marcar o livro de chamada. O silêncio foi de alguns instantes. Até que um aluno perguntou se ele estava bem. Sim, Evaldo estava bem, mas a aula estava acabada. O silêncio foi dando lugar a uma bangunça controlada, que aí sim, deu lugar à completa balbúrdia. Evaldo continuava a comtemplar seu livro. O coordenador chegou e tentou colocar ordem nos alunos, chamou Evaldo e foram conversar.

- O que está acontecendo? - Perguntou o coordenador.
- Você tem café?
- Não podemos lidar com esses seus lapsos de responsabilidade.
- Tem café?
- Não tem! Evaldo, nós lidamos com profissionais.
- Você se considera um profissional, considera meus colegas profissionais?
- Considero!
- Então me dê sua definição de profissionalismo. - Os dois se olharam por um momento, e o coordenador disse:
- Vá pra casa, amanhã nós conversamos melhor.

Evaldo levantou sem hesitar e seguiu até o estacionamento, entrou no carro, foi para casa. Abriu a porta e viu um feixe de luz entrando pela janela entreaberta. Ficou algum tempo olhando para a janela. Abriu-a e uma claridade invadiu a sala. O ar, outrora tão pesado, ficou aos poucos leve. Evaldo seguiu até o quarto. Abriu as cortinas da janela, preparou algumas xícaras de café e sentou na escrivaninha.

"Onde eu coloquei aquela cópia do curriculo?"

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